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![]() O que mais desejamos nesta vida Se alguém me perguntasse o que mais desejamos nesta vida, eu, sem pestanejar, responderia: “todos nós desejamos, pura e simplesmente, ser amados”. Jacques Lacan uma vez disse: “O meu desejo é ser o desejo do Outro”. Traduzindo esta frase, o que Lacan quer dizer é que, acima de tudo, nós desejamos ser amados e ao longo da vida de um ser humano poderemos perceber que somos capazes de tudo para nos sentirmos amados, até mesmo promover a nossa infelicidade para garantir isso. Ainda crianças, assim que percebemos que somos indivíduos e que nossos pais também são pessoas desconectadas de nós, passamos a reivindicar delas e, principalmente da mãe, a sensação de que somos desejados, ou seja, que somos amados. Fantasiamos como seria a demonstração de amor e, quando ele não chega, buscamos perceber o que devemos fazer para nos sentirmos amados. Algumas crianças, nesta busca por “fazer o que agrada”, acabam se tornando, por exemplo, crianças bem educadas e comportadas – abrindo mão da curiosidade e das brincadeiras que são tão naturais a esta idade – ou seja, na ânsia de sermos amados, deixamos de ser o que “desejamos ser” e passamos a ser “o que os outros desejam que sejamos”. Quando este se moldar da criança funciona e ela passa a se sentir amada, apesar dela estar abrindo mão de suas vontades, ocorre uma certa tranquilização, que poderá causar algumas neuroses que irão se refletir na adolescência e se prolongar pela vida madura, causando até o que poderíamos chamar de “incômodo suportável”. Porém, em outros casos, apesar de fazer o que a criança acredita que agradará aos pais ela não recebe o amor que deseja. Digamos, por exemplo, que ao tirar uma nota alta na escola e dizer isso aos pais ela receba como resposta apenas um “não fez mais que a sua obrigação”. Nesta criança passa a se implantar uma constante busca pela aprovação dos pais e, ao mesmo tempo, uma incerteza sobre o que fazer para ser amada. O resultado disto acaba por gerar um indivíduo inseguro naquilo o que deve fazer, alguém que sempre busca a opinião e a aprovação dos outros antes de fazer uma escolha e tomar uma linha de direção. Alguém que jamais se sente amado de verdade e que procura sempre confirmar com o parceiro ou a parceira se este ainda tem algum sentimento para com ele. Esta pessoa, geralmente, é ciumenta e acha que poderá ser abandonada a qualquer momento. Ou seja, enquanto a criança do primeiro exemplo abre mão dos seus desejos para se tornar um realizador do desejo dos Outros, a segunda criança vive em desespero tentando identificar o que os outros desejam dela. A medida ideal para terminar com este fluxo geracional de “ser o que os outros desejam” ou “viver em busca da confirmação do que agrada aos outros” seria o cuidado dos pais em, num dos casos fornecer regras de conduta à criança para beneficiar a sua socialização, mas também fornecendo autonomia para que a criança possa expressar os seus desejos e, no segundo caso, reconhecer o esforço da criança nas suas tentativas de agradar ofertando elogios e o reconhecimento deste esforço, dando a criança a noção de que suas ações estão dando os frutos amorosos que ela deseja. Num ambiente onde nenhuma destas duas hipóteses aconteça é aconselhável que o indivíduo, já adulto, caminhe em busca da conscientização do fato de que seus pais “não eram capazes de aceita-lo como ele é”, mas que ele pode, em primeiro lugar buscar a autoaceitação e, em segundo lugar, reconhecer que outras pessoas, um companheiro ou uma companheira, amigos e colegas de trabalho são pessoas capazes de aceitar este indivíduo como ele é e respeitar a sua individualidade. É claro que isso não acontecerá com a totalidade das pessoas que este indivíduo convive, mas quem disse que o mundo inteiro precisa me amar? Já para aquele indivíduo inseguro quanto ao que fazer para receber amor, a receita permanece a mesma, ou seja, em primeiro lugar ele deve tomar consciência de seu próprio valor, deve reconhecer suas conquistas e, em segundo lugar, a partir disso, acreditar que quem está a seu lado o faz porque deseja estar, porque reconhece nele qualidades que o fazem ser alguém desejável. Este não é um processo simples, em ambos os casos. Mas é algo que precisa ser incentivado, se não pelo próprio indivíduo com a ajuda de alguém, até mesmo de um analista capacitado para ajudar nesta caminhada. Tudo isto, como costumo dizer, é um processo de criação de autoestima e valorização do próprio indivíduo. E, ao contrário do que muitos acreditam, autoestima “não nasce com um indivíduo”, pelo contrário, ela é uma elaboração que acontece à medida que a pessoa cresce, através de atitudes que, e outras pessoas não são capazes de perceber, o próprio indivíduo precisa reconhecer em si mesmo. Costumo dizer que a autoestima é o mesmo que uma semente. Se ela for regada e bem cuidada ela se desenvolverá e se tornará uma árvore forte e sadia. E, no caso da autoestima, a água que nutre esta semente são ações, escolhas e decisões que o indivíduo toma que o fazer crescer e prosperar. Porém, se nem mesmo este indivíduo é capaz de reconhecer seus acertos ele não é capaz de regar com eficiência a semente de autoestima que existe dentro dele. Quantas e quantas vezes chega ao meu consultório uma pessoa que se diz “burra”. E ela afirma isso com uma convicção surpreendente. Então eu pergunto a esta pessoa se ela é alfabetizada e ela diz que sim. Em seguida pergunto se ela fez o segundo grau e ela também responde positivamente, depois pergunto se ela tem bacharelado e ela me responde que tem e, ainda por cima, acumula um diploma de mestrado e outro de doutorado. Finalmente eu pergunto a esta pessoa: “como alguém que acumula tantos diplomas como você pode ser burra?” E ela acaba por me dizer: “era isso o que os meus pais diziam que eu era...”. Então, eu acabo dizendo: “eu acho que os seus pais, apesar de amarem você, estavam enganados a seu respeito. Afinal, todos nós cometemos alguns erros. Você prefere acreditar em uma pilha de diplomas para achar que é inteligente ou prefere acreditar na impressão errada que seus pais tinham sobre você?”. Volta ao topo
![]() A tendência de imitar nossos pais Costumo dizer que uma criança é semelhante a um computador recém-comprado numa loja de eletrodomésticos, ou seja, sem nenhum programa instalado nela a não ser àqueles básicos e que visam garantir sua sobrevivência. E, à medida que ela vai crescendo são os adultos, basicamente seus pais, que vão instalando os programas que a fazem se relacionar com o mundo. Jacques Lacan, um célebre teórico da Psicanálise dizia que à medida que compreendemos o que as pessoas ao nosso redor dizem, passamos a trocar o nosso desejo pelo desejo destas pessoas. Algo como, ao passo que compreendemos nossos pais vamos substituindo os nossos programas nativos pelos programas que eles querem que nos façam funcionar. E, para uma criança aprender a “como funcionar”, não é preciso frequentar escolas ou fazer cursos de aperfeiçoamento. Basta observar os pais e aprender com eles como agir através de duas palavras muitos simples: o “sim” e o “não”. A criança opera através de receber elogios e críticas, sempre buscando o elogio para se sentir amada. Um passo seguinte adotado pela criança para se sentir amada é interiorizar o comportamento dos pais, afinal de contas, na dúvida, para ser desejado, nada melhor do que fazer aquilo o que eles fazem. É desta maneira que a criança escolhe o seu time de futebol preferido, que ela opta por ser um bom ou um mau estudante, que ela acolhe a religião dos pais e principalmente começa a entender a forma como duas pessoas (seu pai e sua mãe) se relacionam e cria a “sua forma de amar” quem estará a seu lado no futuro. Filhos de pais que se comportam de forma distante, que não demonstram amor um para com o outro, que tem relacionamentos que podemos dizer que são conturbados, estão ensinando aos seus filhos que “aquilo o que eles vivem é amor” e a criança crescerá buscando estabelecer na vida adulta forma semelhante de relacionamento. E o mesmo acontece com crianças que crescem em lares onde seus pais demonstram o amor que se sentem um pelo outro através de uma sexualidade e uma afetividade fluída e complementar. Quando ouço no consultório pacientes me dizendo que “tem dedo podre para escolher a quem amar” costumo perguntar à pessoa como eram seus pais e como era o relacionamento que eles tinham, ou ainda têm. E, ao descrevê-los, tanto como indivíduos e como casal, é interessante perceber que a paciente ou o paciente começam a perceber que seus comportamentos, suas escolhas de parceiro ou parceira caminham em direção à repetição dos comportamentos afetivos paternos, ou semelhantes às das pessoas que cuidaram delas na infância, sejam estas pessoas seus avós, tios ou cuidadores estranhos ao ambiente familiar. Não me esqueço jamais a expressão de uma paciente – o queixo dela literalmente caiu – ao se dar conta de que imitava a mãe, buscava no parceiro seu pai e se relacionava com ele da mesma forma que seus pais se relacionavam. Sei que o espanto desta descoberta durante a análise é natural, afinal de contas acabamos por perceber como, de forma inconsciente, e até mesmo negando para si o tempo todo a vida que seus pais tiveram, o paciente age em direção a esta repetição. Mas, passado o susto da constatação, costumo dizer ao paciente que se agora “ele sabe porque faz o que faz”, ele está capacitado a não continuar a fazer. Basta que, para isso, façamos um levantamento dos “programas paternos” que rodamos em nossa mente e aos poucos ir substituindo cada um deles pelos “programas que nós desejamos” rodar. Lacan dizia que este processo desencadeado pela análise era um “desoterramento” (Lacan adorava criar novas palavras), ou seja, o momento em que deixamos de fazer o que querem que façamos, para podermos fazer aquilo o que realmente desejamos fazer. Eu mesmo, quando estava começando a minha análise, nos tempos de estudante de Psicanálise, cheguei a esta mesma conclusão de meus pacientes e percebi que muitos dos maus comportamentos eram semelhantes aos do meu pai. Não me assustei a ponto de meu queixo cair, mas confesso que fiquei bastante “envergonhado comigo mesmo” por não ter percebido isso antes e sem a ajuda da minha analista. A partir daquele momento adotei um comportamento bastante simples e que consistia em me perguntar, quase que a todo momento se “a escolha e a decisão que eu estava prestes a tomar era fruto do meu desejo ou era o desejo de meu pai”. Confesso que muitas vezes descobri que não era o Roberto, mas sim o Pedro, meu pai, ditando aquilo o que eu estava tentando fazer. Isso me permitiu, ao longo do tempo, deixar de fazer muitas coisas e passar a fazer coisas diferentes e que, à medida que eu ia vivendo, ter a certeza de que era o Roberto quem desejava e fazia suas escolhas. Mas, veja bem, eu não limpei meu “computador mental” de todos os programas que eles me legaram. Retirei os programas que eram antiquados e disfuncionais para o meu bem-estar, mas mantive outros que me ajudaram a ser um ser humano melhor e que me faziam ter tranquilidade ao viver em sociedade. Meu pai, por exemplo, era um sujeito que esbanjava dinheiro, sempre comprando discos, roupas e carros muito além de sua necessidade ou a da família e isso eu deixei de fazer. Mas, ao mesmo tempo ele era uma pessoa íntegra, que quando dava sua palavra jamais voltava atrás e que demonstrava o todo momento o amor que sentia por minha mãe e pela família. Isso, dele, eu decidi manter como um aprendizado importante. O que eu quero dizer com este artigo é que nossos pais ou cuidadores são o espelho através do qual moldamos a nossa forma de viver. Os exemplos que acolhemos e passamos a seguir na infância e adolescência não são perfeitos, mas, também não são na sua totalidade ruins. Cabe a nós, à medida que nos tornamos maduros percebermos a “compulsão à repetição” e peneirarmos aquilo o que é importante manter dentro de nós e aquilo o que deve ser deletado de nossa mente e de nosso comportamento. Hoje, depois de tanto perguntar a mim mesmo se sou eu ou o Pedro agindo, não preciso mais fazer isso, mas, quando recebo um elogio da minha esposa, por exemplo, muitas vezes digo a ela que eu agi da mesma forma que meu pai agiria e que, portanto, ela deve ser grata às coisas boas que ele me ensinou. Volta ao topo ![]() A indecisão de fazermos nossas escolhas Todos os dias recebo em meu consultório pacientes que estão prestes a prestar o vestibular e outros, que já entraram em alguma faculdade ou universidade e estão insatisfeitos com a escolha de curso que fizeram. Na verdade, é muito comum ter pacientes que já começam e abandonaram três ou quatro faculdades desde que entraram para a vida universitária. Esta insatisfação, na maioria dos casos, faz com que o indivíduo, passado algum tempo, caia na imobilidade e, apenas para satisfazer pais e familiares, acabe tomando novas decisões e acabe indo pararem cursos que odeia apenas para acabar com o falatório. Uma das perguntas que sempre faço a estes pacientes é “qual a profissão que mais o agrada?” E, por mais estranho que possa parecer, boa parte deles não associa a vida acadêmica com a criação de uma carreira profissional. A impressão que se tem é que eles entraram na faculdade e, da mesma forma que fizeram durante sua estada na escola, o importante mesmo é apenas terminar “mais esta tarefa” e angariar um novo diploma para apresentar para os pais e a família, mas, para a maioria destes pacientes, trabalhar, criar uma carreira e repetir a vida que seus pais e familiares tiveram não é uma meta a ser cumprida. Certa vez recebi em meu consultório um paciente que estava cursando o primeiro ano de um curso “X” (vou omitir o curso para evitar a possibilidade de identificação do paciente) em uma faculdade bastante conceituada no País. Passados doze meses de curso, ele percebeu que estava descontente com a escolha de carreira que havia feito, mas tinha dificuldade de contar aos pais e à família o que estava acontecendo e isso a estava colando em uma enorme frustração. Na mente deste paciente contava mais o “status” de estar fazendo um curso conceituado, numa instituição mais conceituada ainda, para agradar aos pais e gerar comentários de sua superioridade para a família, do que fazer algo que realmente o deixasse feliz. Aos poucos, durante a terapia, ele foi percebendo o quanto isso o tornaria um sujeito infeliz e, ao mesmo tempo, foi criando a coragem necessária para dizer aos seus pais o que estava se passando com ele. Finalmente, numa sessão, ele me disse que havia falado com eles sobre sua frustração e que ambos, ao contrário do que ele esperava, iriam apoiá-lo na troca de curso. Isso, somado à perda da sua “necessidade de impressionar parentes e amigos” fez com que ele trancasse o curso, prestasse um novo vestibular e, agora, ele está fazendo um curso no qual ele me diz se sentir feliz e tranquilo para assumir como profissão. Este foi um exemplo “que deu certo” por uma série de fatores, mas creio que o principal foi a disposição do paciente em ir de encontro aos seus medos e resolvê-los, mesmo que a curto prazo isso gerasse um certo desconforto que mais tarde poderia gerar satisfação pessoal – o que em Psicanálise chamamos de atender ao ganho primeiro e não ceder e se imobilizar no ganho secundário. Mas, o que não posso deixar de dizer é que muitos jovens não enxergam suas frustrações desta maneira e o simples fato de “peitar” os pais é uma tarefa inconcebível. Muitas vezes isso pode se originar por uma ferrenha insistência paterna em determinar a carreira dos filhos segundo o critério destes próprios pais e, em outros casos, o jovem, desde que é criança, se acostuma a ver seus pais determinarem o que é melhor para a vida deles e acabam por perder a noção daquilo o que é melhor para eles. Pais que sempre “resolvem os problemas dos filhos”, impedindo que a criança e, mais tarde, o adolescente encare a realidade de que precisam tomar suas próprias decisões criam filhos que tem uma forte tendência a “congelar diante dos problemas” e que simplesmente não querem tomar uma decisão pelo imenso medo de fracassarem. Já atendi pacientes que têm dificuldades para escolher a roupa que querem vestir, que terminam seus relacionamentos devido à opinião dos pais quanto ao namorado do filho ou da filha, que não sabem que carro querem comprar, que carreira querem escolher, entre tantas outras coisas. Às vezes decisões muito simples e, em outras ocasiões decisões importantes, mas que eles preferem que alguém as ajude a escolher, para mais tarde não terem que arcar com as consequências e as responsabilidades de suas escolhas. Algo como: “já que não fui eu quem escolhi, não é minha responsabilidade se der errado”. Felizmente, com a análise, alguns pacientes conseguem quebrar este círculo vicioso de “agradar os pais e a família” e conseguem, por exemplo, ao invés de se tornarem advogados se tornarem dançarinos, escritores, arquitetos e, entre todas as possibilidades respondem para si mesmos “o que eles querem ser quando crescerem”, em vez de acatar a frase “nós queremos que você seja”. Pais e parentes sempre querem o nosso bem, ou, em alguns casos, eles querem que seus filhos sejam o que eles não conseguiram ser. Mas se os jovens deixarem que seus pais determinem o que eles deverão ser, o risco embutido nisso é o de termos nos próximos anos uma imensidão de pessoas exercendo profissões que não os agradam e que, possivelmente, farão isso de uma forma que prejudique a sociedade. Volta ao topo ![]() Ninguém tem obrigação de adivinhar Há muito tempo eu atendi uma paciente que eu mal sabia como conseguia andar tamanho o peso das joias que ela carregava no corpo. Mas, enfim, ela chegou no consultório, se sentou e desabou a falar mal do marido. Entre as muitas queixas, uma que me chamou a atenção era que ela dizia que seu marido era um sovina que insistia em lhe presentear com joias de prata ao invés de dar a ela ouro, que era o metal que mais a agradava. Quando ela me disse isso eu perguntei a ela se alguma vez, ao receber uma joia de prata, ela disse a ele que preferia que ela fosse de ouro. Não, ela nunca havia expressado sua insatisfação e, ainda por cima, acreditava que ele deveria saber de suas preferências. A narrativa desta antiga paciente me fez lembrar de como é importante em um relacionamento o diálogo, porque, sinceramente, não há outra forma de sabermos o que o outro deseja sem que este outro nos diga o que quer. Costumo dizer aos meus pacientes que o parceiro ou a parceira “não tem bola de cristal” e não tem a “obrigação de adivinhar o que pensamos, sentimos ou desejamos”. Às vezes chego a indagar comigo mesmo que aqueles que não se sentem à vontade para expressar seus sentimentos e desejos ou foram crianças que não precisavam nem piscar para receber o que queriam, ou são crianças que esmo dizendo o que queriam seus pais não eram capacitados para lhes dar o que queria. Mas o fato de que tenhamos sido crianças mimadas ou frustradas se arrasta para a nossa vida adulta e causa desentendimentos com parceiros ou parceiras e até mesmo influencia as nossas amizades, das quais cobramos o mesmo tipo de “adivinhação”. Seja com quem for que não expressamos nossos desejos e necessidades, o resultado disso é que o demandante acaba tendo que conviver com a frustração e quem é demandado acaba por taxar quem lhe pede algo como alguém narcisista e infantil. Quando os elos afetivos não são tão densos, como é o caso dos amigos, por exemplo, isso acaba em rompimento e separação. Não é apenas minha a opinião de que o diálogo é algo imprescindível para uma boa relação, seja com quem for que nos relacionemos. Dizer o que pensamos, no que acreditamos e o que desejamos é essencial para que o outro possa se colocar na posição de realizar ou não os nossos desejos. Porém, o que geralmente acontece quando algumas pessoas começam a demandar, é que elas fazem isso de maneira impositiva, como se fosse uma ordem a ser cumprida e esta forma de agir geralmente coloca o outro na posição defensiva e este em vez de ouvir o ponderar o que o outro deseja, quem está encurralado começa a despejar suas faltas também, dizendo ao demandante que não faz porque o outro não atende as suas necessidades também. Ou seja, o que era para virar uma conversa de esclarecimento acaba por se tornar um campo de troca de acusações. A meu ver e também o de outros colegas, a melhor comunicação não é a da “cobrança”, ou seja, aquela onde começamos a conversa com “você não me dá isso”, mas sim um diálogo que começa com “eu preciso disso”. Trocar o “você” pelo “eu” não coloca o parceiro ou parceira, o amigo ou a amiga, o colega de trabalho na defensiva. A pessoa para quem estamos dizendo o que desejamos se coloca na posição de ouvinte e, depois de saber o que você deseja, esta pessoa se coloca na posição de poder ou não satisfazer o seu desejo. E não se iludam achando que isso é uma via de mão única porque quando você diz aquilo o que deseja, esteja preparado também para saber quais são os desejos do outro. Relacionamentos são trocas. Num determinado momento eu demando e sou atendido e em outro eu escuto as demandas de quem eu amo e procuro satisfazê-las também. Isso gera equilíbrio e faz com que os parceiros não percebam que há desequilíbrio entre o dar e o receber. Porém, e já ouvi muito isso no consultório, apesar de pedir ao outro que ele me satisfaça, o outro insiste em não atender às minhas demandas e, ainda por cima, justifica sua posição acusando o outro de não ter feito nada para satisfazer este outro. Quando a comunicação e o diálogo se mostram ineficazes para o bem-estar de uma relação, talvez seja a hora de pensar se esta relação é saudável e deve ser mantida. É preciso perceber quem está ao seu lado, se ele é alguém preocupado com você (também) ou está apenas preocupado com a sua necessidade de satisfação. Este é um indivíduo que costumo classificar como “vampiro emocional”, ou seja, aquela pessoa com um toque narcisista elevado e que acredita que deve sugar o outro até deixá-lo apenas com uma gota de sangue, para que sua vítima não morra e ela possa suga-la novamente amanhã. Às vezes, também, o que pode acontecer num relacionamento é uma espécie de “congelamento” da capacidade de satisfação. Em alguns casos, pelos exemplos paternos de relacionamento, o demandado não percebe a necessidade do outro como válida ou quem é demandado, por insuficiência de aprendizado durante a infância e juventude, simplesmente “não sabe como satisfazer o parceiro”. Nestes casos, muito mais brandos do que o vampiro emocional, pode-se resolver o problema ensinando-se o parceiro ou a parceira como satisfazer você. E, não se esqueça nunca, libere seu parceiro ou parceira para demandar e, se for o caso, mostrar para você como é possível atender às solicitações dele ou dela. Volta ao topo ![]() Procurar alguém para amar é um engano Ao longo da minha carreira como Psicanalista e, para ser sincero, desde a adolescência, quando os primeiros livros sobre este assunto, na época edições portuguesas encontradas em sebos na praça da Sé e, mais tarde, livros editados pela já inexistente editora Brasiliense, fiquei fascinado pelo que “um tal de Freud” escrevia e, anos depois, voltei a me encantar pelo que “um tal de Lacan” escrevia. Muito tempo depois, estudando Psicanálise já não mais como um mero curioso do comportamento humano, uma frase escrita por Lacan me tocou profundamente: “o meu desejo é ser o desejo do outro”. O que, traduzido do Lacanês, para mim significa: Ao contrário do que sempre imaginamos, a nossa busca não é por amar alguém, mas sim buscarmos alguém que nos ame. Pode parecer um mero e simples jogo de palavras: sentir-se amado em vez de amar. Mas, se analisarmos esta afirmação por um ângulo mais detalhado buscar alguém que me ame é muito diferente de buscar alguém para amar, principalmente se levarmos em consideração o que é que realmente preenche o nosso vazio existencial: amar ou ser amado. Segundo Freud, durante a infância, ao percebermos que não somos capazes de suprir todas as nossas necessidades afetivas, nos jogamos para o outro e, no caso da criança, para os nossos pais em busca de obter aquilo o que desejamos e, é de se imaginar, que à medida que conseguimos o que queremos, passemos a amar a pessoa que nos oferece isso. Ou seja, primeiro demandamos, ou seja, nos tornamos o desejo do outro para, depois, satisfazer a necessidade de amor – passamos a amar – o outro. À primeira vista isso pode parecer “um muito egoísta” e tirar a “beleza de um relacionamento afetivo”, mas tanto isso se mostra verdadeiro porque quando não obtemos a satisfação desejada de quem nos jogamos, ainda segundo Freud, acabamos por direcionar outra vez nosso objeto de satisfação para nos mesmos e nos tornamos o que se conhece por aí como Narcisistas, ou seja, pessoas que só pensam em si mesmas e incapazes de acreditar que os outros, a humanidade, é incapaz de satisfazer suas pulsões. Portanto, podemos acreditar que amar é trocar, o tempo todo, todo o tempo e que o mais importante é ter a certeza de que iremos receber e que, só depois disso, iremos oferecer aquilo que o outro deseja. Talvez seja a falta de percepção desta necessidade básica de cada indivíduo o que conduza pessoas a buscarem os parceiros ou as parceiras erradas. Primeiro nos encantamos com a aparência física de alguém, depois que nos aproximamos deste alguém passamos a observar seu comportamento e buscamos nesta pessoa a satisfação de nossas neuroses, como, por exemplo, se ele é fiel, se ele cumpre com os compromissos que assume e se está disposto e entrar em um relacionamento duradouro. Mas, esquecemos de tentar perceber se este indivíduo está disposto a satisfazer as nossas necessidades primárias ou não, se ele se preocupa em perceber ou perguntar o que queremos ou se ele apenas deseja satisfazer seus desejos, o que, vamos e venhamos, é algo inconscientemente natural. Ao entrarmos em um relacionamento não é difícil perceber que um está super interessado em parecer atraente para o outro. A sensação que eu tenho às vezes é a de que temos estampado em nossa testa o que o outro deve fazer para nos agradar e o outro faz isso porque trata-se de fazer a corte. Porém, à medida que o tempo passa e o relacionamento vai se aprofundando, a máscara do “encantar” se desfaz e percebemos o que o outro é de verdade. É neste momento que se deve pensar em afastamento se o outro não “me ama como eu preciso quero ser amado” em vez de acreditar que o amor de um pode trazer mudanças no outro. Ninguém é capaz de mudar ninguém se a pessoa não deseja fazer mudanças em si mesma. Essa é uma fantasia que muitos alimentam, mas que o tempo se incumbe de desfazer da pior maneira possível. Creio que o que devemos ter muito claro em nossas mentes é a ideia de que aquela pessoa que eu desejo que me ame é capaz de ser aquilo o que eu desejo que ela seja para mim em termos de satisfazer as minhas necessidades ou não. E o mesmo se aplica ao outro. Ele deve buscar o mesmo que buscamos e se ambos forem capazes de buscar e ofertar satisfação este é um relacionamento que deve perdurar e que tem boas possibilidades de durar. Volto a repetir: não crie a fantasia de que somos capazes de mudar alguém. As pessoas só se modificam diante da consciência de que isso irá beneficiá-las de alguma maneira. E quando o assunto é amor, mudamos para continuarmos a ser “o desejo do outro”. Volta ao topo ![]() Somos cegos para as nossas póprias qualidades Em outros artigos eu já falei sobre as causas da baixa autoestima, sobre aquilo o que nos faz não acreditarmos em nós mesmos. Mas, neste artigo, gostaria de falar sobre o quão difícil é para uma pessoa adulta enxergar a realidade com a qual ela convive e, mesmo assim, continuar a não perceber o que ela realizou e o que continua realizando em sua vida adulta e que, em última análise, colabora para que ela destrua a imagem que faz de si mesma para dar lugar a uma nova realidade onde ela é boa o suficiente para si mesma e para as pessoas que estão ao seu lado. Acabo de atender a um paciente que sempre se achou inferior e incapaz de agradar as pessoas que o cercam, seja na família, no contexto de suas amizades e de seu universo profissional. No entanto, esta mesma pessoa trata sua parceira de maneira compreensiva e corresponde às necessidades que ela coloca diante dele e, no trabalho, está constantemente sendo reconhecido como essencial e um ativo a ser mantido no quadro de funcionários. Porém, mesmo através do reconhecimento externo – que deveria ser uma medida capaz de melhorar sua autoestima – ele continua a se achar faltante e vive em busca do reconhecimento externo. Mas o pior, mesmo quando este reconhecimento acontece, ele continua teimando em não acreditar em seu valor. A meu ver, não acreditar em si mesmo é algo que está enraizado no inconsciente das pessoas, num inconsciente regredido e infantil, que espera, lá no fundo não o reconhecimento do mundo, mas sim o reconhecimento dos pais. Aquele que devia ser dado naquela época e não foi. E não estou afirmando que isso seja culpa ou maldade dessas pessoas. Elas podem simplesmente não ter recebido este reconhecimento quando elas eram crianças e simplesmente perpetuam uma realidade que viveram com seus filhos, sem imaginar o que isso pode causar a alguém, quem sabe porque eles mesmos se neguem a acreditar que isso um dia os prejudicou. Eu já disse em outras ocasiões que a autoestima é igual a uma planta que deve ser regada para poder crescer e se transformar em uma árvore forte e resistente a todo tipo de adversidades. A questão, neste sentido é “quem deve regar esta árvore?” Quando crianças é natural que dependamos de adultos para fazerem isso, no início da vida nossos pais, depois a família e mais tarde educadores e amigos. Mas chega um tempo em nossa vida, quando nos tornamos adultos que nós mesmos devemos nos incumbir desta responsabilidade. Nós devemos cuidar desta planta e fazer com que ela se torne uma árvore repleta de frutos. E acreditem em mim, mesmo que quando nos tornamos adultos e esta semente nunca foi regada, basta que nós mesmos a reguemos e ela irá começar a crescer. Um dos problemas que pode surgir desta autoalimentação é que podemos estar nos regando com impressões falsas e que não correspondem à realidade e isso pode gerar uma árvore oca por dentro e que a primeira tempestade irá derrubar. Ter consciência de nosso valor e aumentar a nossa autoestima deve estar alicerçado em feitos reais, e acontecimentos que se originaram em nosso esforço e em nossa capacidade de realização. Se nos inflamos com a perspectiva de que, nos autoconvencemos que somos gênios e não estudamos para uma entrevista de emprego, fatalmente iremos falhar e quando isso acontece acabamos por colocar a culpa no entrevistador e não em nós mesmos. Agora, aquele que tem uma noção real de quem é e que, além disso, prepara-se da melhor maneira possível para a tarefa que pretende desempenhar, a probabilidade de alcançar o sucesso aumenta consideravelmente. Vivemos em uma sociedade onde se conceitua o sucesso como a necessidade de “superar a tudo e a todos”, “ser melhor que tudo e que todos” como um imperativo, mas esquecem de dizer, ou está nas letrinhas pequenas do contrato, que isso demanda esforço, dedicação e persistência. Esquecem de nos lembrar que muitos outros além de nós estão em busca desta mesma ascensão ao Olimpo dos maravilhosos e perfeitos. De certa maneira a mídia nos vende esta ideia todos os dias quando cria a imagem de um Steve Jobs criador do iPhone, mas esquece de dizer que ele também fez um projeto para a IBM quando foi expulso da Apple chamado Next e que fracassou. O mesmo acontece com o inventor da lâmpada, o do telefone, o dos aquecedores elétricos e por aí vai. Quando vendemos a alguém a ideia de que basta ter vontade que você vai chegar lá estamos vendendo uma mentira. Você pode sim chegar lá, mas não sem antes ter passado por uma série de derrotas e desapontamentos que lhe trouxeram o conhecimento necessário para acertar. Thomas Edson, por exemplo, precisou fazer quinze mil lâmpadas para conseguir uma que funcionasse. Mas perguntem a ele se desistiu. Este mesmo Edson, por exemplo, imagino que tivesse uma ideia bastante clara de seu valor, parte dele devido à descoberta bem sucedida e parte por nunca ter desistido de tentar. O que eu quero que você compreenda é que errar e tão humano quanto acertar. Mas o mais importante é que seus erros devem ser considerados como frustrações que devem ser seguidas de aprendizado, para que você não cometa os mesmos erros e avance para cometer outros, inéditos, até conseguir o que deseja. Mas, mesmo cometendo erros, espero que você seja capaz de reconhecer que seus acertos, provenientes da experiência que você obteve são a água que deve ser usada para o seu vazo e criar em você uma autoestima sedimentada na determinação de continuar tentando até acertar. Volta ao topo ![]() Terapia é um trabalho conjunto Quando alguém inicia sua análise é muito comum que esta pessoa chegue ao consultório cercado de dúvidas e fantasias sobre o que vai acontecer durante a sessão. É por isso que costumo sempre realizar uma “sessão de avaliação” onde pergunto ao paciente o que ele espera do terapeuta e, em seguida, falo ao paciente como o processo de análise irá se desenvolver e pontuo o que ele deve esperar de mim como analista e o que eu espero dele na posição de analisando. Ao final desta seção percebo que algumas pessoas se sentem desmotivadas e, na maioria dos casos é porque o analisando esperava do analista não um indagador, mas sim o fornecedor de respostas prontas e que ele deveria seguir. Algo do tipo “eu não suporto mais o meu marido. O que eu devo fazer?” diz a analisando esperando que seu terapeuta diga em resposta “olha, eu me divorciaria se fosse você.” Mas a questão é que o analista não é a pessoa, nós não somos capazes de saber o que é melhor para alguém no lugar de este alguém e é neste momento que o paciente se frustra, quando em vez de afirmarmos algo nos contentamos, como Freud e os demais teóricos da Psicanálise nos ensinaram a fazer, em perguntar: “o que você quer fazer?” E, depois da resposta continuamos a perguntar “por que você não faz o que deseja fazer?” E a sessão continua assim por minutos e minutos com o analista esperando que seu analisando descubra “por que faz o que faz, ou descubra por que não faz o que diz que deseja fazer”. Analistas não são conselheiros. Isso é tarefa de quem se dispõe a aconselhar e, sinceramente, não acho válido alguém pagar uma sessão de análise para ouvir conselhos que amigos e parentes podem oferecer gratuitamente. Nós estamos aqui para incentivar nossos analisandos a falarem e nesta “livre associação de palavras” e, como dizia Lacan, escorregarem em seu discurso e dizerem o que nem imaginavam que poderiam dizer, trazendo à consciência os conteúdos inconscientes que eles desconheciam. A relação analista e analisando não deve passar de alguém que questiona (o analista) e alguém que busca resposta para aquilo o que é perguntado (a analisando). Às vezes quem responde tem dificuldade em saber a resposta e diz “não sei”. Aí cabe ao analista não se contentar com isso e apoiar o seu paciente para que ele tente encontrar respostas, sempre perguntando “por quê” e de novo “por quê” e de novo “por quê”, até que a resposta seja “vomitada pelo paciente”. Uma frase célebre de Lacan dizia que o retorno a Freud é o retorno ao sentido de Freud, o que podemos traduzir como: “vamos fazer igual ao criador da psicanálise fazia, ou seja, vamos deixar o paciente falar e ajuda-lo apenas a perceber o que reside de inconsciente em seu discurso. A posição do analista é a de um facilitador, a de alguém em quem o paciente confia e se sente à vontade para dizer, como muitas vezes eu escuto de meus pacientes, “o que eu vou contar para você eu nunca tive coragem de dizer para ninguém”. O analista é um detetive, um sujeito que sai em busca de agulhas no palheiro inconsciente, alguém que ajuda seu paciente a lembrar de memórias esquecidas – ou que muitos referem esquecer – e de uma figura que transparece confiança a ponto de o paciente confiar que assistida pelo analista conseguirá perceber e trabalhar com a nova realidade que se apresenta. E, além disso, uma característica que o analista deve alimentar é a paciência, afinal de contas o tempo para acessar conteúdos é do paciente e não do analista. Me lembro de um caso onde o paciente precisou de quarenta e oito sessões, depois de ter falado sobre tudo o que era possível como forma de fugir do assunto, para falar sobre aquilo o que realmente o afetava. Foi emocionante ver como a expressão dele se modificou porque foram meses e meses antes de ele se sentir seguro para me dizer o que realmente o incomodava e para mim um alivio porque intimamente, desde a sua terceira sessão, eu já tinha uma clara ideia do que era o motivo de seu incômodo. Mas, não cabia a mim escancarar aquilo o que eu pensava. Cabe ressaltar que foi nesta sessão a terapia do paciente se encerrou. Ele já voltou ao consultório outras vezes, com outros incômodos, mas, pelo que ele me relata, o incômodo das quarenta e oito sessões foi resolvido. Volta ao topo ![]() Eles querem mães e elas pais Todos os dias chegam ao meu consultório mulheres reclamando que não conseguem se relacionar com os homens que atualmente estão por aí. Segundo elas, “os caras não estão procurando uma mulher, eles querem uma mãe e uma pessoa que os sustente”. E aí, quando eu pergunto a esta mulher que tipo de homem ela deseja, além daquelas características que mais lembram um “príncipe da Disney”, consigo perceber que elas estão em busca de um pai, alguém que as coloque no colo e lhes presenteiem com um cartão Black, sem limites de gastos. Se colocarmos lado a lado as necessidades tanto de homens quanto de mulheres, perceberemos que ambos estão à procura de alguém que os isente da responsabilidade de estar em um relacionamento. Os homens querem uma mãe que lhes troque as fraldas e não reclame de horas e horas diante de um videogame e as mulheres querem um homem que as trate como filhas, dando a elas tudo o que precisam para suprirem as suas necessidades. Talvez o que estejamos vendo é uma ou mais geração que não deseja um relacionamento que se diferencie do que eles – tanto homens quanto mulheres – estão acostumados a vivenciar na casa de seus pais, que aliás, também bete à porta do consultório atrás de conselhos para se livrarem dos filhos. O fato é que já há muitas décadas as famílias não podem mais se dar ao luxo de ter um homem mantenedor saindo de casa todos os dias para ganhar o pão e muito menos uma mulher que se disponha a ficar em casa para cuidar e garantir a educação dos filhos. Seja por uma necessidade de igualdade de direitos ou pela mera questão social que impõe uma conjuntura familiar diferente, tanto homens quanto as mulheres têm que sair atrás do sustento da família, ambos chegam em casa à noite, depois de apanharem os filhos na escola de tempo integral ou passam na casa dos avós para apanharem os filhos, ambos têm que dar conta do jantar, da limpeza da casa e quando percebem, estão cansados demais tanto para dar atenção aos filhos, quanto para darem atenção a eles mesmos enquanto casal. Provavelmente, é deste tipo de realidade ou de responsabilidade que as gerações mais novas tentam fugir e querem evitar a qualquer custo, mesmo que para isso elas tenham que abdicar de sua liberdade ou até mesmo da vontade que sentem de se unirem a uma pessoa. Uma mostra disso pode ser percebida na forma como as gerações atuais denominam a forma como se relacionam. Eles evitam chamar alguém de “namorado”, igualando esta condição a um “noivado” para as gerações mais antigas, ou seja, namorar é um compromisso “muito sério e doo qual eles não poderão se desvencilhar. Mais simples e menos compromissado é ir morar juntos e, quando um se encher do outro, devolver o apartamento para a imobiliária e voltar para a casa dos pais. Chego a pensar se o problema é termos poupado tanto os filhos de encararem os problemas e as vantagens de ter responsabilidade e autonomia graças à culpa que sentimos por termos que criá-los praticamente “sem pais” ou se por nunca terem enfrentado problemas, nossos filhos se neguem a agora assumir a responsabilidade por suas próprias vidas. Para algumas gerações sair da casa dos pais era um marco de liberdade, para as gerações de hoje sair da casa dos pais é algo preocupante porque eles irão perder a liberdade que tem em troca de promover a própria sobrevivência. Quando essas pessoas me procuram, os que não encontram o “parceiro ou parceira ideal” tento fazê-los perceber que eles precisam deixar de ser crianças, que precisam crescer e assumir as responsabilidades que lhes cabe na vida e que, acima de tudo, eles podem escolher ter relacionamentos diferentes daqueles que seus pais assumiram e bancaram durante toda a vida deles. É um caminho tortuoso, garanto a vocês, mas pode surtir resultados. Certa vez, depois de algumas sessões com um paciente extremamente ligado ao comodismo de viver com os pais, ele entrou no consultório para fazer a sessão e antes de qualquer coisa ela me disse que havia tido uma conversa séria com seu pai, que havia agradecido a ele tudo o que ele havia recebido e devolveu ao pai o cartão de crédito que usava para bancar suas contas, apesar de o paciente estar empregado e ter seu próprio salário. Ele me disse que depois de devolver o cartão ambos se abraçaram e choraram. Hoje este paciente estabeleceu alguns propósitos e está se preparando para comprar seu primeiro apartamento e não aguenta esperar para viver a sua própria vida. Quando alguns pais me perguntam o que podem fazer para “seus filhos crescerem” eu costumo dizer a eles “criem dificuldades”, ou seja, façam agora o que vocês não fizeram durante a vida infantil e a adolescência dos seus filhos. Na realidade qualquer um de nós, tenha que idade tiver, gostamos de facilidade. A minha ou a geração que se seguiu a minha, fugimos de casa porque lá era um lugar de privação, de proibição e nós desejávamos autonomia e liberdade. Se nada nos faltasse naquela época, certamente estaríamos agindo como as gerações de hoje, sem a menor vontade de ir atrás do que desejamos, afinal de contas, atualmente, os filhos que estão morando com os pais não sentem falta de nada. Volta ao topo ![]() Porque todos precisam de terapia Esta semana um paciente estava lendo um de meus artigos e me pediu para escrever sobre o tema “por que precisamos de terapia”. Segundo ele, naquela ocasião, antes de ter começado a se consultar, teria ajudado muito saber no que a terapia poderia tê-lo ajudado e, ainda segundo ele, teria sido mais fácil identificar as questões que ele precisava resolver. Então, para ajudar aqueles que ainda tem dúvida sobre para que serve a psicanálise, lá vão algumas explicações. A Psicanálise nasceu há mais de um século, criada por Sigmund Freud e que, em pouco tempo ganhou adeptos na Europa, nos Estados Unidos e, atualmente, é praticada por milhares de analistas em todo mundo. Naquela época, Freud começou a teorizar a Psicanálise estudando pacientes histéricos, que apresentavam sintomas físicos, para os quais os médicos daquela época não encontravam nenhuma explicação. Ele então começou aa dar atenção a esses pacientes e, à medida que Freud os escutava, ele percebeu que os sintomas apresentavam melhoras e até mesmo desapareciam. Isso e outros fatos dos quais Freud tomou conhecimento foram o suficiente para que ele acreditasse que existem doenças geradas pela mente e, então, ele começou a esboçar um método de tratamento. A Psicanálise como a conhecemos hoje não é muito diferente daquela criada por Freud, ou seja, um paciente visita uma analista e durante mais ou menos uma hora essa pessoa conta fatos de sua vida que o incomodam, enquanto o analista escuta em busca de situações que possam de alguma maneira ter traumatizado e causado neuroses a esse paciente. Quando um destes traumas se mostra na seção, o analista auxilia o paciente a vivenciar novamente este trauma é, desta vez dar uma outra solução para o acontecimento, criando o que chamamos de elaboração e, com a elaboração do trauma os sintomas (as neuroses) apresentados desaparecem. Para nós psicanalistas as neuroses são os mecanismos de defesa que um paciente passa a utilizar para se proteger de situações cotidianas que o fazem relembrar traumas ocorridos, na maioria das vezes, durante a infância. Para nós eles são como sintomas, a partir dos quais sondamos em busca dos fatos geradores. Ou seja, uma neurose é como uma febre alta, um sinal para o médico de que existe uma infecção. O médico não se preocupa apenas em abaixar a temperatura do paciente, mas principalmente em combater a infecção que uma vez tratada faz o sintoma desaparecer. Eles são basicamente cinco: a Ansiedade, a Angústia, as Fobias (medos paralisantes), a obsessão e a Compulsão. Eu classifico a ansiedade como o medo que alimentamos do futuro, a angústia como o arrependimento por fatos ligados ao passado, a fobia como um medo deslocado de um medo original para outra coisa, a obsessão como uma ideia fixa em nossa mente e que toma de assalto a mente, sem nos deixar pensar em mais nada e, finalmente, a compulsão é a colocação de algo em prática, como, por exemplo, a que nos faz comer sem parar, comprar sem parar, entre outras. Cabe dizer que todos nós temos todas estas neuroses, só que em alguém que age com normalidade, elas estão sobre controle e não atrapalham nossas vidas ou nos causam sofrimento. O problema é quando estas neuroses se intensificam causando tristeza, depressão, manias absurdas como limpar a casa de cinco em cinco minutos, ou comer sem parar até adoecer sendo que a fome estaria saciada com apenas um ou dois pedaços de pizza. Ou seja, o que torna uma neurose causa de sofrimento é o exagero delas e quando alguém se encontra neste estágio a terapia se configura como uma saída para que se encontre os motivos da exacerbação destes sintomas para que eles possam voltar a um grau que não acarrete sofrimento ao paciente. Certa vez, para que se tenha ideia do quanto uma neurose ampliada pode atrapalhar a vida de uma pessoa, tratei uma paciente que tinha fobia de lugares fechados (conhecida como Claustrofobia). A dela era tão acelerada que ela não conseguia sequer entrar num carro, quanto mais pegar um elevador ou entrar em um avião. Ao longo da terapia dela fomos revisitar a sua infância e, enquanto falávamos das irmãs dela e a casa onde viviam no interior de São Paulo, seu rosto tomou uma conotação mais séria que de costume e eu achei por bem nos aprofundarmos na relação dela com as irmãs. Em seguida, ela me contou que seus pais saiam para trabalhar e ela ficava sozinhas com as irmãs, todas mais velhas do que ela, e uma das brincadeiras que elas faziam com a minha paciente era trancá-la no guarda-roupas dos pais. Segundo ela, a sensação de estar ali trancada trazia a sensação de que morreria. Enquanto a paciente fazia o relato, ela me disse que conseguia até mesmo, depois de tantos anos, se lembrar do cheiro das roupas dos pais. Lembrar do ocorrido e emocionar-se com o que estava sendo lembrado seria o suficiente para dissolver o trauma, mas, além disso, achei melhor fazer um “resgate”. Pedi a ela que fechasse os olhos e voltasse, adulta, para o quarto onde ela ficava trancada, então pedi a ela para abrir o guarda-roupas e resgatar a si mesma daquela situação ruim e pavorosa. Fazer este “resgate” não é uma prática que Freud recomendaria, mas depois de estudar várias outras correntes de psicanálise, hipnose e PNL, achei que se isso a ajudasse a acelerar a quebra da fobia, eu deveria utilizar a ferramenta. O resultado é que depois de alguns dias ela me disse que já se sentia confortável dentro do carro, em elevadores e até mesmo estava fazendo viagens de avião e se sentindo mais à vontade durante os voos. Espero que estas explicações e o exemplo de fobia dado acima ajudem a quem não sabe muito sobre Psicanálise a compreender que existem doenças de origem psíquica, que estas doenças modificam o nosso comportamento e, em alguns casos, podem até mesmo gerar sintomas físicos, que chamamos de somatizações. Então, se você se identificou com um destes incômodos, recomendo que você procure um Psicanalista para tratá-lo. Volta ao topo ![]() Como nos relacionamos no ambiente de trabalho Para algumas pessoas o ambiente de trabalho é uma verdadeira delícia, um local repleto de pessoas de quem se gosta e onde tudo flui na mais perfeita paz e harmonia. Para outros, no entanto, o mesmo local pode ser “a sucursal do Inferno”, repleto de demônios que tem por meta nos atormentar e, ainda por cima, com o próprio diabo ocupando a sala da chefia. Por que, então, um mesmo local e recheado com as mesmas pessoas para um pode significar uma coisa e para outra pode conter um significado totalmente diferente? Costumo explicar essa percepção aos meus pacientes que costumamos trazer para o nosso ambiente de trabalho as mesmas relações que temos em nossos lares, ou seja, para mim o chefe ou a chefe são os pais e os colegas de trabalho desempenham o papel de nossos irmãos e irmãs. Em seguida peço ao paciente para fazer uma comparação entre a casa e o ambiente de trabalho em busca de similaridades e, depois disso, peço a ele para identificar nos chefes seus pais. Em uma boa parte dos casos estes pacientes se surpreendem com a coincidência de personagens nos dois ambientes. A dinâmica que se estabelece em nossos lares, desde a infância, acaba por incorporação inconsciente transformando-se na “forma como deve ser toda e qualquer outra dinâmica na vida do indivíduo, na escola, na sociedade e, mais tarde, é claro, no ambiente de trabalho. Se vivemos durante a infância em um ambiente agitado e conturbado será muito natural não nos sentirmos muito à vontade em um ambiente de trabalho tranquilo. Da mesma forma que, se estamos acostumados a um ambiente tranquilo em casa, estranharemos muito um ambiente de trabalho agitado. O mesmo se aplica aos nossos chefes. Se, em casa, nutrimos algum tipo de antipatia por pai ou mãe, ao encontramos com um chefe ou uma chefe cujo comportamento nos lembre um de nossos pais, automaticamente passaremos a visualizá-lo e hostilizá-lo da mesma maneira que fazemos com o pai, ou a mãe, se esta for a pessoa que rivalizo dentro de casa. Já no que se refere aos colegas de trabalho, eu os considero tal qual considero meus irmãos e, com alguns deles me dou bem e desenvolvo uma amizade colaborativa e, com outros, crio uma certa antipatia, semelhante àquela que tenho pelos irmãos que não gosto. É comum receber no consultório um ou outro paciente passando por dificuldades no trabalho, indivíduos que se queixam da rotina, dos chefes e dos colegas de trabalho. Uma forma de abrandar este mal-estar, que aconselho a meus pacientes, é para de fazer esta transposição das figuras e do ambiente de casa para o trabalho. Às vezes até mesmo dizendo a si mesmo “aqui não é a minha casa” e as pessoas aqui não são “a minha família”. Depois de algum tempo estes pacientes me relatam que agora se sentem melhor com relação às queixas que trouxeram para a análise. Além disso, uma vez que o paciente toma conhecimento deste deslocamento de casa para o escritório, isso permite levar a análise para outro nível e então começamos a revisar e a elaborar, dai em diante, as questões que causam o incômodo doméstico, ou seja, o que realmente é aquilo o que incomoda o paciente. Se você se sente mal em qualquer ambiente que frequente rotineiramente, use esta fórmula e verifique se você não está, também, sendo vítima desta transposição e, se descobrir que isso é verdade, dissolva os problemas do trabalho e trate com um analista o que verdadeiramente, dentro de casa, incomoda você. Volta ao topo ![]() A difícil terefa de acreditarmos em nós mesmos A maioria dos temas que abordo em meus artigos estão relacionados a relatos feitos por meus pacientes durante suas sessões. Todos eles são casos recentes e, quando utilizo algum exemplo, recorro a casos antigos, mas que apresentam a mesma problemática. Isso me faz acreditar e creio que vocês também perceberão que passa o tempo, mudam os pacientes e, no entanto, as queixas continuam a se repetir. Lá no passado alguém tinha dificuldades de perceber suas qualidades e, às vezes, muito tempo depois surge um novo paciente com a mesma queixa. Na noite em que escrevo este artigo, um paciente que já está há algum tempo comigo fala sobre seus afazeres e, mesmo tendo feito o trabalho a tempo, insiste em se queixar que foi lento e burro na realização da tarefa. Mais tarde ele me diz que entregou a tarefa com uma semana de antecedência do prazo final e, no entanto, é incapaz de reconhecer sua presteza e também a sua competência. E se isso acontece no trabalho, ele repete a mesma neurose de desvalorização em outras áreas de sua vida e diz com todas as letras que falhou no primeiro casamento, falhou com seus filhos deste casamento e carrega para si toda a culpa que estas declarações me fazem pensar que ele sente. Quando ainda somos crianças e passamos a entender o que nossos pais tentam nos comunicar, pela própria condição destas pessoas serem nossos pais, acreditamos que tudo o que eles dizem é verdade. Principalmente o que eles dizem a nosso respeito. Então, quando estamos apenas sendo crianças e quebramos algo e eles nos dizem que somos atrapalhados, nós acreditamos nisso, quando eles dizem que somos burros, nós também acreditamos nisso e quando um ou ambos nos dizem que são infelizes e que estão juntos apenas por nossa causa, infelizmente acreditamos que somos os responsáveis pelo péssimo casamento que eles têm. Convivendo com tantas críticas ou com a responsabilidade pela infelicidade das pessoas que nos geraram e que amamos, começamos a fazer uma ideia bastante distorcida de quem nós somos e passamos a acreditar que realmente somos tudo aquilo o que dizem de nós. E, por incrível que pareça, se éramos naturalmente estabanados quando crianças, continuamos a ser na adolescência, na juventude e na idade adulta até o dia de nossa morte. Se nos dizem que somos burros o mesmo ocorre e até desenvolvemos uma falta de habilidade para aprender que aumenta ainda mais nossa sensação de que eles estavam certos. Isso, como Freud nos alertou, são os pensamentos limitantes. Quando estas pessoas chegam ao meu consultório tento fazer com que elas joguem estas certezas para fora de si e passem a acreditar um pouco mais em si mesmas. Eu peço a elas que façam uma “prova de realidade” entre o que realmente são e aquilo o que diziam sobre elas. Certa vez atendi a um outro paciente, um terceiro com o mesmo problema que os dois citados anteriormente. Ele se dizia burro e eu, então comecei a questioná-lo: primeiro perguntei se ele havia concluído o primário e ele disse que sim, depois perguntei sobre o ginásio e ele respondeu positivamente outra vez, em seguida perguntei se ele havia feito o ginásio e outra vez a resposta foi positiva e o mesmo ocorreu quando lhe perguntei sobre a faculdade, o mestrado, o MBA e uma pós-graduação. Depois de ele ter me dito todas as suas conquistas intelectuais eu lhe perguntei: como alguém com tantos diplomas pode ser burro? E ele me respondeu que mesmo assim fazia burradas. Eu lhe disse que ele, assim como todos no mundo cometem erros, mas que nem todo mundo só comete erros. Disse a ele também que seus pais não eram infalíveis e que, ao fazerem um julgamento de valor a respeito dele, poderiam ter se enganado e que ele não é exatamente aquilo que eles afirmaram que ele era. Somente esta sessão não foi o suficiente para desmontar a ideia limitante de que ele não tinha inteligência. Foi necessário insistir no tema e fazê-lo realizar a prova de realidade diversas vezes até que eu pudesse sentir que ele deixava de acreditar naquilo o que seus pais diziam sobre ele. Assim como estes três pacientes, todos nós carregamos ideias limitantes a nosso respeito e que não foram criadas por nós, mas sim por pais, cuidadores ou figuras de autoridade nas quais depositamos nosso respeito e nossa crença em sua assertividade. Confiamos que todos eles eram incapazes de errar e acreditamos no que eles diziam sobre nós e carregamos estas “verdades” dentro de nossas mentes como uma sina à qual devemos nos resignar e aceitar. Você, que está lendo este artigo, alguma vez parou para pensar sobre o que você acredita que é e colocou estas afirmações em dúvida? Ou você, para usar uma definição errada doque é humildade, preferiu negar para todos as suas qualidades e se desenhou muito abaixo daquilo o que realmente você é para não parecer orgulhoso, seguindo a orientação de seus pais? Recomendo que você faça urgentemente uma lista daquilo o que você acha que tem de ruim e, em seguida, coloque estas supostas verdades em dúvida. Utilize a prova de realidade se for necessário, mas ateste por si mesmo se você tem consciência de quem você é ou se você não passa de um amontoado de convicções herdadas de alguém que estava enganado a seu respeito. Volta ao topo ![]() Por que é tão difícil dizer não? Se existe um problema que não se afasta do consultório e deve incomodar uma gigantesca parte da humanidade, este é o fato de não conseguirmos dizer não às pessoas que nos cercam. Costumo dizer aos pacientes que dizem fazer isso que eles sofrem de “Síndrome de Madre Teresa”, ou seja, eles são compelidos a fazer o que podem e o que não podem para as pessoas que lhe pedem algo, e alguns vão mais longe e se oferecem para ajudar os outros, mesmo que ninguém tenha lhe pedido ajuda. E, se isso não os incomodasse, eu chegaria a dizer que ser prestativo é algo até bom, mas, no entanto, todos eles se queixam de ser assim e de até mesmo se prejudicarem com isso. Diante destas queixas costumo perguntar aos meus pacientes: então, por que você faz isso? E, quando a resposta não é um retumbante não, escuto os pacientes me dizerem que “tem receio de magoar as pessoas”, que não querem “entristecer quem conta com eles” e outras tantas explicações que sempre envolvem o sentimento do outro, deixando de lado o que estes bons samaritanos sentem ou precisam. O que talvez estas pessoas não consigam perceber é que por trás de boas ações elas estão em busca de aceitação, elas desejam, de forma velada, se sentirem amadas e aceitas pelos outros. Basicamente, através de favores, elas buscam assegurar que todos os amem. Em outras palavras: elas compram amor. Se isso funcionasse, até aí tudo bem. Afinal de contas vivemos em uma sociedade capitalista e nos acostumamos a comprar tudo aquilo que desejamos. Por que implicar com o fato de que alguém compra o amor das pessoas. O problema começa a incomodar quando, mesmo comprando amor com favores, quem recebe o favor não se sente nem um pouco obrigado a me amar. É mais ou menos o mesmo que comprar um carro em uma concessionária e a empresa nunca nos entregar o que adquirimos. Alguns irão reclamar e pedir o dinheiro de volta e outros, simplesmente vão acabar acreditando que fizeram algo de errado e, por isso, acabaram não recebendo o que adquiriram. Aquela parcela que acredita que “não fez o suficiente para receber o que deseja”, na maioria das vezes foram crianças que carregam uma dúvida sobre o que devem fazer para agradar aos pais. Elas cresceram tentando perceber o que seus pais gostavam e fizeram o que elas achavam que iria agradá-los, mas, no entanto, em vez de receber elogios elas receberam apenas elogios sem convicção e outros até ouviram “você não fez mais que a obrigação”. Então, estas mesmas crianças continuam tentando, continuam se esforçando para receber o amor dos pais e, somente quando estão esgotadas de se esforçar, recebem o que tanto desejam, mas a um custo difícil de suportar e sempre cercados de incertezas. Neste artigo, em vez de usar o exemplo de um antigo paciente, vou usar a mim mesmo como exemplo de como queremos agradar aos outros para nos sentirmos amados: eu venho de uma família humilde. Minha mãe era analfabeta e meu pai concluiu apenas o segundo grau. Imaginem, então, qual era o sonho deles... O de que o filho tivesse um diploma universitário e “fosse alguém na vida”. Tão logo comecei a ter idade suficiente para me comunicar e eu o fazia com uma certa exatidão, eu era elogiado. Mais tarde, quando comecei a estudar – um ano antes do que qualquer criança entrava na primeira série – tratei de rechear meu boletim com notas máximas e, adivinhem, mais elogios brotavam. Me lembro como se fosse ontem que um dia cheguei do colégio dizendo que meu time havia ganhado um campeonato de basquete e a reação do meu pai foi a de um morto vivo quanto a esta conquista. Resultado? Até hoje não tenho a menor afinidade ou interesse por qualquer tipo de esporte. O fato é que me tornei um estudante incansável... Se é que é possível alguém não se cansar de estudar e tive uma vida acadêmica impecável, até o dia em que me peguei discutindo com um de meus professores sobre uma nota 9,75 e que eu não me conformava em não ter tirado um dez. Eu estava fora de mim e, com o saco cheio de me escutar, o professor acabou me dando os 0,25 necessários para gabaritar. Eu tinha lá os meus vinte e três anos de idade e só então percebi que eu não estudava para aprender, mas sim para tirar notas boas para agradar aos meus pais e ser o que eles desejavam que eu fosse. Desde esta discussão em sala de aula eu mudei. Não deixei de estudar e mesmo aos 60 anos de idade estudo mais que qualquer universitário por exigência da profissão. Mas agora me permito tirar notas medianas e consigo me sentir feliz com os meus resultados acadêmicos. Tento praticar esportes e aproveito mais a vida em vez de ficar enfurnado num quarto em busca de boas notas. Deixei de me preocupar com o amor de meus pais, afinal de contas eles continuaram me amando apesar das notas mais baixas e, também, percebi que algumas pessoas continuaram a me amar mesmo que eu seja um estudante comum. Mas, a maior descoberta de todas, aquele que me trouxe paz é a de que não vale a pena sacrificar as minhas vontades para satisfazer os desejos dos outros. Percebi que valorizar o meu desejo é mais importante e que é impossível “comprar o amor dos outros”. Hoje sei que o amor é uma conquista que podemos adquirir até mesmo contrariando a vontade de quem nos rodeia porque algumas pessoas valorizam a nossa autenticidade e não as vantagens que podemos oferecer a elas. É claro que agindo assim não vamos agradar a todos, principalmente os egoístas de plantão que adoram receber, mas que no momento de doar se esquivam. Enfim, creio que aprendemos a dizer não quando percebemos que estamos infelizes agrando aos outros e é neste momento que o preço a pagar por este amor se torna alto demais. Assegure-se de que quem o ama sente isso por você sem que você tenha que beneficiá-lo de alguma maneira e quando você perceber isso, retribua o amor que lhe é oferecido com a mesma dose de amor. 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